Vivemos tempos de transformação intensa. As alterações climáticas, a escassez de recursos e a necessidade de um desenvolvimento mais equilibrado desafiam-nos a repensar o setor da construção. Mais do que responder a problemas técnicos, profissionais têm hoje a oportunidade de cocriar soluções que respeitam o planeta e as pessoas. Com conhecimento, colaboração e inovação, podem liderar a transição para práticas construtivas mais conscientes e resilientes.
Contexto
A realidade já é conhecida por todos: vivemos numa economia linear que consome recursos naturais a um ritmo insustentável e contribui de forma significativa para as alterações climáticas. Nos dias de hoje existem mais de 250 biliões de m2 de edifícios - um número que cresce cerca de 5,5 biliões de m2 a cada ano ... equivalente a uma nova cidade de Paris a ser construída todas as semanas. Os edifícios representam cerca de 40% do consumo de energia final e 36% das emissões de gases com efeito de estufa. Na União Europeia, cerca de 75% do parque edificado ainda é energeticamente ineficiente. Continuar a construir como antes já não é viável.
Perante estes desafios, o setor da construção está a transformar-se. A transição para modelos circulares e descarbonizados está já em curso, impulsionada por novas exigências legais, inovação tecnológica e uma maior consciência do impacto ambiental. Este artigo apresenta algumas das estratégias que estão a moldar esta transformação – desde o uso inteligente de materiais à digitalização – e o papel que diferentes agentes do setor têm desempenhado nesse processo.
Um setor em mudança: exigências e oportunidades
A transição para a descarbonização no setor da construção passa por reduzir tanto as emissões de carbono incorporadas — associadas à produção e transporte de materiais — como as operacionais, resultantes do consumo energético ao longo da vida útil dos edifícios. Esta ambição está em linha com o Pacto Ecológico Europeu, que estabelece a meta de alcançar a neutralidade carbónica na União Europeia até 2050. Neste caminho, o setor da construção assume um papel estratégico, apoiado por instrumentos como a Lei Europeia do Clima, que define uma meta de redução de emissões de, pelo menos, 55% até 2030. Estes objetivos incentivam a utilização de materiais de baixo carbono e o reforço da eficiência energética nos edifícios.
Metas ambiciosas, reforçadas também pela nova diretiva europeia sobre o Desempenho Energético dos Edifícios que destaque a medição das emissões de carbono incorporado e a renovação do edificado ineficiente. Paralelamente, os modelos de financiamento e as expectativas dos investidores estão a privilegiar projetos com impacto ambiental positivo.
Estas mudanças têm impulsionado soluções que vão além da eficiência energética, incluindo a seleção criteriosa de materiais, o design adaptativo e estratégias de fim de vida. A digitalização dos processos tem permitido uma melhor gestão de dados e decisões mais informadas ao longo do ciclo de vida dos edifícios.
(Re)Pensar e (Re)Fabricar Materiais
Uma das áreas mais promissoras para reduzir as emissões no setor de construção é o uso de materiais e produtos inovadores, de baixo teor de carbono e sustentáveis, em alternativas aos materiais tradicionais intensivos em emissões.
Devemos (re)pensar como projetamos e fabricamos, como selecionamos e especificamos produtos, para serem mais saudáveis e seguros para o ser humano e o meio ambiente. Algumas inovações incluem:
Cimentos de baixo carbono e adjuvantes que prolongam a durabilidade do betão;
Agregados reciclados e madeira maciça (mass timber) como alternativas renováveis;
Materiais biológicos como cânhamo, micélio, cortiça e bambu, que absorvem CO₂ durante a produção;
Tintas e acabamentos com baixo teor de compostos orgânicos voláteis, mais saudáveis para o ser humano e o ambiente.
Na escolha de materiais, certificações como o Cradle to Cradle Certified® ajudam a informar e substanciar as decisões. Esta certificação avalia o desempenho dos produtos em diversas categorias e oferece uma estrutura clara para apoiar decisões de design e especificação mais sustentáveis. Produtos certificados tendem a ser mais seguros, circulares e transparentes, reforçando a confiança entre fornecedores e projetistas.
Projetar para Baixo Carbono
A descarbonização na construção abrange tanto o carbono incorporado (relativo à produção, transporte e construção) como o operacional (uso energético ao longo da vida do edifício). Reduções significativas destas emissões são possíveis através de:
Designs passivos que maximizam luz natural e ventilação cruzada;
Uso de BIM (Modelação da Informação da Construção), que permite planeamento detalhado e redução de desperdícios;
Avaliações de ciclo de vida (ACV), que apoiam decisões baseadas no desempenho ambiental dos materiais.
A ACV e Declarações Ambientais de Producto (DAP) ganham um papel cada vez mais estratégico à luz das novas exigências regulamentares. O Regulamento Produtos de Construção, introduz a obrigatoriedade de reportar o Potencial de Aquecimento Global (Global Warming Potential – GWP) para produtos de construção colocados no mercado europeu. Essa informação será integrada nos passaportes digitais de materiais, previstos pelo Regulamento de Produtos Sustentáveis (ESPR).
Energia Limpa e Eficiência
A eletrificação dos edifícios, aliada à produção de energia renovável, permite reduzir drasticamente as emissões operacionais. Destacam-se algumas das soluções já existentes:
Bombas de calor para climatização eficiente;
Automação inteligente para ajustar iluminação, ventilação e aquecimento;
Integração com smart grids e painéis solares que otimizam o consumo com base na disponibilidade energética.
Edifícios inteligentes conectados a redes inteligentes (smart grids) podem ajustar automaticamente seu consumo energético com base na disponibilidade de energia renovável, maximizando a eficiência.
Integrar a Economia Circular
Projetar edifícios como bancos de materiais, com foco na desmontagem futura, prolonga o seu ciclo de vida e reduz a necessidade de extrair novos recursos. Este conceito envolve reutilizar materiais, eliminar resíduos e projetar edifícios considerando o seu ciclo de vida completo, desde a construção até a demolição ou reutilização.
Esta transformação exige uma visão de longo prazo, mas também uma estrutura prática e mensurável. A definição de roadmaps para a circularidade, não só de projetos, mas de organizações, oferecem essa ponte. A partir de diagnósticos detalhados — como análises de fluxo de materiais, avaliação de impacto e mapeamento de stakeholders — é possível desenhar estratégias alinhadas com metas de circularidade específicas.
Dados, Transparência e Colaboração
Ferramentas digitais estão a transformar a forma como planeamos e gerimos os edifícios:
Digital Twins simulações digitais permitem otimizar o desempenho energético dos edifícios antes mesmo da construção começar
Sensores IoT otimizam a operação em tempo real;
Passaportes digitais de materiais, exigidos pelos novos regulamentos europeu, reúnem dados essenciais para decisões informadas. São repositórios digitais onde todas as informações do produto são armazenadas ao longo do seu ciclo de vida — desde dados técnicos até informações sobre desempenho ambiental. Este sistema melhora a transparência entre stakeholders e facilita decisões informadas sobre manutenção, renovação ou demolição.
Para alcançar uma descarbonização holística, o setor precisa colaborar estreitamente com arquitetos, engenheiros, empreiteiros, fabricantes e toda a restante cadeia de valor. É necessário trabalhar em conjunto desde as fases iniciais de projeto, onde é possível influenciar escolhas importantes relacionadas à forma do edifício e aos materiais utilizados. E a implementação bem-sucedida, das técnicas construtivas com baixo carbono, depende da colaboração eficaz entre todos.
Barreiras estruturais e como ultrapassá-las
Apesar do progresso, o setor ainda enfrenta obstáculos. A fragmentação entre disciplinas, a escassez de dados estruturados e o desconhecimento de alternativas sustentáveis continuam a dificultar a adoção generalizada de boas práticas. Muitas decisões com impacto ambiental são tomadas em fases iniciais, mas sem a participação de todos os agentes relevantes. E o setor é historicamente lento na adoção de novas tecnologias e praticas.
A superação destas barreiras passa por criar processos mais colaborativos e por reforçar a transparência na cadeia de valor. A partilha de dados, a normalização de métricas de circularidade e o reforço da capacitação técnica são elementos-chave para acelerar a mudança.
Não existem soluções únicas. Mas sabemos que já existem ferramentas e metodologias eficientes, para criar ambientes construídos mais justos, circulares e resilientes. Ao integrar inovação, responsabilidade e colaboração, as organizações e seus profissionais tornam-se agentes centrais na construção de um futuro mais sustentável – não apenas para o setor, mas para toda a sociedade.
Conclusão
A construção sustentável já não é uma visão do futuro – está a tornar-se uma realidade. O desafio agora é escalar boas práticas, criar valor e transformar intenções em impacto concreto.
Mais do que cumprir normas, as empresas do setor têm hoje a oportunidade de moldar a construção do amanhã: antecipar tendências, influenciar positivamente as cadeias de valor e responder, com coerência, às expectativas da sociedade. Através de parcerias sólidas, estratégias eficazes, planos de implementação realistas, certificações credíveis e roteiros bem definidos, é possível construir não apenas edifícios — mas também futuros. Um futuro em que a construção contribui para a regeneração ambiental, para a equidade social e para uma prosperidade económica duradoura.
Se procura orientação para alinhar os seus projetos com estas tendências, fale connosco. Na Sustenuto, ajudamos a transformar ambições sustentáveis em estratégias tangíveis. E trabalhamos com organizações e equipas para integrar estas dimensões de forma coerente e eficaz, contribuindo para um setor mais resiliente e regenerador.